sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Holandeses no Brasil: E se o Brasil tivesse sido colonizado pela Holanda?


"E se tivéssemos sido colonizados pelos holandeses?"

Eis uma pergunta que já passou pela cabeça de muita gente. No entanto, para a História não existe o "se", mas apenas o que aconteceu. Para os historiadores, não existe sentido em especular a respeito de "realidades alternativas" ou de "universos paralelos", eles preferem deixar essa tarefa para os escritores de ficção científica.

Em todo caso, esse tipo de pergunta demonstra que existe um interesse popular pelo tema da presença holandesa no Brasil. Afinal, se um episódio do passado é capaz de estimular a imaginação das pessoas, é porque esse episódio ainda desperta paixões no presente.

Para sairmos do campo da especulação e partirmos para o da história propriamente dita, vamos reformular a pergunta : "As colônias holandesas se tornaram países mais desenvolvidos que o Brasil, uma ex-colônia portuguesa?" A resposta para essa pergunta será negativa e este artigo mostrará elementos que nos permitem chegar a esta conclusão.


Colonizadores e colonizados
Em primeiro lugar, devemos ter consciência de que toda colonização é uma relação de dominação, o que implica dominadores (colonizadores) e dominados (colonizados). Portanto, dizer que a colonização realizada por um país foi "melhor" do que a realizada por outro é sempre discutível. Afinal, foi "melhor" para quem? Do ponto de vista do colonizador ou do colonizado?

Para o colonizador, a colonização é um sucesso quando ele consegue explorar as riquezas da colônia e obter lucro com elas. O que é sucesso para o colonizador, pode ser tragédia para quem foi colonizado. Do ponto de vista de todos os povos que habitavam a América na época da chegada de Colombo, todos os colonizadores europeus (fossem eles portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses ou franceses) foram de alguma foram nocivos, seja trazendo doenças, seja escravizando, seja destruindo as culturas indígenas.


Pernambuco sob domínio holandês
Muitos livros e documentários atuais sobre o período em que Pernambuco esteve sob domínio holandês (1630-1654) destacam as realizações de
Maurício de Nassau, conde que governou o "Brasil holandês" durante sete anos, de 1637 a 1644. As realizações mais lembradas nesses livros e documentários são o fato de Nassau ter permitido a liberdade religiosa para católicos e judeus (apesar da oposição de alguns compatriotas seus, que eram de maioria protestante), as melhorias feitas na cidade Recife (construção de pontes, calçamento de ruas etc.) e de ter trazido artistas e cientistas da Europa para o Brasil, dentre os quais o pintor Frans Post, que retratou as paisagens locais, e o cientista Georg Marcgraf, que estudou a fauna e a flora brasileiras.

No entanto, apesar da importância do trabalho dessas medidas, desenvolver o urbanismo e estimular as artes e as ciências não eram os principais objetivos do governo holandês em Pernambuco. Os objetivos das autoridades holandesas que dominaram parte do Nordeste brasileiro eram controlar a produção e o comércio de açúcar, que, na época, era o principal produto brasileiro de exportação, e o tráfico de escravos de origem africana no Atlântico Sul.


O lucrativo tráfico de escravos
Esse tráfico era extremamente lucrativo e também estava ligado ao açúcar, pois a mão de obra que trabalhava nos engenhos era formada por escravos. Ou seja, o que moveu a presença holandesa no Brasil foram interesses puramente comerciais. Prova disso é o fato de que as invasões holandesas foram organizadas por uma empresa particular, a Companhia das Índias Ocidentais. Essa empresa tinha a autorização e o apoio do governo da Holanda para atacar e saquear navios e colônias de países inimigos a fim de obter riquezas nos continentes americano e africano.

Vale lembrar que os holandeses atacaram o Brasil durante o período da União Ibérica (1580 a 1640), quando o rei da Espanha herdou a coroa portuguesa. Isso aconteceu porque o rei dom Sebastião, que morreu em 1580, não deixou herdeiros, aproveitando-se disso, o rei da Espanha, Filipe 2º, que era primo de dom Sebastião, reivindicou o trono português. Assim, o Brasil, que era colônia de Portugal, esteve durante esse período sob o domínio da Espanha, que era rival da Holanda.

A Companhia das Índias Ocidentais também autorizava e apoiava o tráfico de escravos africanos. Esses escravos não eram trazidos apenas para o Brasil, mas também para o Caribe e para a então colônia inglesa da Virgínia, na América do Norte. Pernambuco era para os holandeses um entreposto para o comércio de escravos. Num relatório enviado para a Companhia das Índias Ocidentais, o próprio Maurício de Nassau afirmava que no Brasil nada podia se fazer sem escravos. Nesse mesmo relatório, Nassau recomendava que se aumentasse a importação de escravos. Por isso, o tráfico de escravos trazidos da África aumentou consideravelmente durante o domínio holandês em Pernambuco.


Holandeses no Suriname e na Indonésia
Após serem expulsos do Brasil pelas forças luso-brasileiras, os holandeses continuaram praticando o tráfico de escravos e explorando a utilização do trabalho escravo em engenhos produtores de açúcar. Desta vez, nas Antilhas. Por causa da concorrência com o açúcar produzido nas Antilhas, o preço do açúcar produzido no Nordeste brasileiro chegou a cair pela metade no período entre 1650 e 1700. No entanto, apesar dessa queda, o açúcar continuou sendo um dos principais produtos exportados pelo Brasil e a sua venda voltou a aumentar a partir da última década do século 18.

Como vimos, o domínio holandês no Brasil foi bem diferente da imagem romântica que se criou em torno dele. Uma imagem tão exagerada que, até hoje, é comum atribuir aos holandeses qualquer construção arquitetônica antiga que chame a atenção, mesmo que tenha sido construída após a volta do domínio português. Por fim, para aqueles que ainda persistem em acreditar que subdesenvolvimento é exclusividade das ex-colônias portuguesas, vale destacar que o Suriname, país que faz fronteira com o Brasil, e a Indonésia são dois exemplos de ex-colônias holandesas. E tanto o Suriname quanto a Indonésia são países sub-desenvolvidos e com graves problemas socioeconômicos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá,

Eu discordo que o Brasil holandês se pareceria com a Indonésia ou Suriname, mas concordo que não se pareceria também com os EUA.

Na discussão no link abaixo,

http://groups.google.com/group/soc.history.what-if/browse_thread/thread/727103a447a3e674?hl=en#

postado no grupo "soc.history.what-if", eu examino um cenário
alternativo onde o Brasil atual, originalmente ocupado pelos
portugueses, acabaria dividido em dois estados soberanos:
respectivamente um "Brasil holandês" no nordeste e parte do norte do
país (Pará) incluindo as Guianas, e um "Brasil inglês" no centro-sul,
estendendo-se do Uruguai inclusive até Goiás e Mato Grosso do Sul
inclusive, contendo portanto os estados do sul e sudeste e parte do
centro-oeste do Brasil verdadeiro. Uma terceira parte do Brasil,
correspondente ao noroeste do país (AM, AC, RO, RR), seria nesse
universo paralelo dividida entre as repúblicas de língua espanhola
vizinhas da Amazônia brasileira verdadeira e não é considerada em
detalhe no artigo.


Como em todo exercício de história alternativa, os países fictícios
criados combinam elementos de outros países verdadeiros, muitas vezes
de partes diferentes do mundo real. Meu "Brasil inglês" por exemplo
lembra muito uma versão do Canadá na América do Sul, mas com: uma
área
menor, uma população maior, uma maior porcentagem de negros/mestiços,
um clima tropical/subtropical, e os portugueses tendo um papel
parecido com o dos franceses no Canadá só que com menor influência
nacional do que esses últimos e sem sentimentos separatistas. Já o
meu
"Brasil holandês", na verdade um país híbrido holandês/português/
africano, tem algumas características que superficialmente lembram a
África do Sul verdadeira, incluindo uma forma um pouco mais branda de
segregação institucionalizada (intermediária entre o modelo do sul
dos
Estados Unidos e o "apartheid" sul-africano), mas com várias
diferenças importantes, por exemplo: uma porcentagem de brancos e
mestiços maior do que na África do Sul, uma área maior e população
total um pouco menor, uma transição mais cedo para a democracia
multirracial, uma porcentagem não desprezível de índios americanos
nativos, e um acordo institucional entre holandeses e portugueses
mais
próximo novamente do modelo canadense do que a relação entre ingleses
e holandeses (africânderes) na África do Sul real.


Economicamente, meu "Brasil inglês" é um país desenvolvido com altos
PIB per capita e índice de desenvolvimento humano (IDH), enquanto o
"Brasil holandês" é um país de renda média alta (um pouco maior porém
do que o Brasil português verdadeiro !), mas com grande desigualdade
social.